A presente exposição é fruto de um desejo que, molhado ou não, habita o mundo em qualquer estado físico: feito líquido ou feito ar e ainda mesmo feito vapor, fumaça, neblina clara repousando sobre a cabeça da Bá. Há mais de uma década, a artista carioca (sim, artista, e, claro, carioca, very carioca, sabemos), dedica-se à fotografia analógica através de um amplo e contínuo exercício de olhar cotidiano ao qual se propõe.
Afinal, se vivemos em um mundo onde tudo parece já ter sido visto, ou, ainda que inédito, pode sempre ser visto MELHOR, MAIOR, mais nítido e esgarçado, feito uma cirurgia plástica malfeita a refletir saturada em telas de tevês, smartphones e gadgets sem fim, ainda vivemos em um mundo habitado por escassas câmeras fotográficas, películas, filmes de celulose e outros aparatos extintos, a despeito de sua valorosa secularidade, em existência, glória e resiliências. O filme não morreu, basta percorrer esta sala-de-estar camuflada de espaço expositivo. Um cubo branco fajuto cuja carga de afeto revela-se um tanto superior à assepsia usual dos espaços do circuito da arte tradicional.
As fotografias aqui reunidas respondem, em diferentes instâncias e através de diferentes abordagens, ao título e mote curatorial proposto pela própria artista, em diálogo ativo com a curadoria. São fotos que revelam (e mesmo desnudam) os olhos da fotógrafa, transferindo suavemente para o papel as nuances e sutilezas de seu olhar: delicado, romântico, ácido, agridoce, nostálgico e outras definições passíveis de habitarem territórios de interseção entre estes guarda-chuva temáticas, verdadeiras cadeias de sensação que embaralham as muitas camadas semânticas, sensíveis e, por vezes, surpreendentes contidas em cada foto.
Ainda que à primeira vista possam ser lidas por quem as observá-las como fotos próprias do cotidiano e do entorno da vida da própria Bá, um olhar mais dilatado sobre elas nos revela inúmeras camadas um tanto mais profundas, inscritas a partir do encontro entre a luz e o papel. Saudades de lançar-se ao desafio, perscrutar cada fotografia por dentro, voltar à pele do filme que foi queimado em pura luz, a mesma que agora atravessa seu aparato ótico e permite ver, lentamente, paisagens, pessoas, seres, lugares, abstrações e mais nas obras de Rosalinski.
Para muito além do virtuosismo técnico, distinguimos um bom fotógrafo ao passo em que seu olhar se revela, mais e mais, com o tempo, apurado, sensível, preciso. É afiado, ácido, agridoce, estranho e obtuso – como se, às vezes, ao menos, buscasse ver o mundo na contramão das imagens plásticas que a hegemonia do império da técnica insiste em nos introduzir goela abaixo, a todo e cada momento, do momento em que acordamos ao momento em que (tentamos! vejam só...) dormir.
Feitas pela artista ao longo da última década, a apresentação aqui pensada nos conduz a um pensamento que privilegia tanto as afinidades que muitas delas exercem entre si, evidentemente, mas também seus contrastes, próximas por suas qualidades em comum, mas também por seus pequenos e fortuitos defeitos, ranhuras. Familiares, sobretudo, pelo atravessamento implacável do acaso nela manifestados, sagazmente capturado pela artista. É ele quem aparece no sorriso inesperado de alguém flagrado seminu, em uma cena doméstica, por exemplo. Na mesma chave interpretativa, o acaso também está lá, mais evidente inclusive, na velada carga romântica evocada por duas toalhas molhadas repousando sobre uma pedra, em uma aparentemente praia bucólica, desconhecida.
O sol secará estas toalhas rapidamente, não nos restam dúvidas ao observar por uns instantes a foto. Mas se as vimos ainda molhadas, de certo modo, as vimos enquanto seres vivos, encharcadas de toda sorte de líquidos e afetos que um ser humano pode transferir para uma peça de tecido qualquer. Duas toalhas molhadas, lado a lado, geralmente é um sinal de amor.
Elas irão logo secar, sabemos.
Mas duas pessoas permanecerão molhadas, da forma que for, por um longo e incessante tempo a fio.
Victor Gorgulho